domingo, 9 de novembro de 2008

Estágio Rural em Saúde da Família - Iniciando


Este é um texto inicial, ideal para quem quer ter uma idéia geral do que é o estágio rural e foi parcialmente baseado em um questionário solicitado pelo Grupo Hospitalar Conceição.

A foto ao lado foi tirada pelo Pablo, residente estagiário, em frente ao posto de saúde em setembro de 2008.

O estágio iniciou no final de 2007, com duas estudantes de medicina da UCS. Atividades de pesquisa e educação em saúde também foram desenvolvidas em parceria com estas e outras estudantes desta instituição.
Uma feira de saúde foi montada no mesmo ano em parceria com a FFFCMPA.
De janeiro a novembro de 2008, sete residentes de medicina de família e comunidade do SSC-GHC realizaram estágio nesta comunidade rural.

A idéia em linhas gerais:

A proveniência de muitos profissionais (classe social média e alta e urbana) e a própria formação centralizada desde o início até a pós-graduação em grandes centros, associada a uma política não bem definida de estímulo à interiorização dos profissionais gera distorções para o sistema de saúde. A própria prática cotidiana destes é impactada no sentido de criar uma dependência (mais ou menos real ou psicológica) das tecnologias e recursos humanos que se concentram nestes locais. Isso acaba por gerar um ciclo vicioso. Uma das formas de reverter este processo, e que vem sendo experimentada em vários países, inclusive o nosso, é o de interiorização do estudante ou profissional em especialização. A aproximação com a realidade de uma zona rural, além disso, oferece atrativos de aprendizado de APS particulares como territorialização e atenção domiciliar em meio rural, competência cultural, contato com perfis epidemiológicos diversos dos grandes centros, etc. A desmistificação de zona rural como local tradicionalmente pobre em recursos e limitado para a atuação de profissionais e o potencial efeito social que apresenta o deslocamento de residentes para estes locais também deve ser levado em conta. A relação médico-paciente, o trabalho em equipe, os aspectos de APS (longitudinalidade, acesso, integralidade...) também assumem características próprias. O eventual contato com patologias típicas rurais também pode ser destacado como enriquecedor para a formação médica (chifradas, intoxicação por agrotóxicos, ferimentos com moto-serra, picadas de aranhas, cobras, etc.).

O local e algumas características do trabalho -

A região é caracterizada por descendentes de imigrantes alemães, predominantemente agrícola em pequenas propriedades familiares, clima frio. Há também pequenos ateliês de calçados, malharias e uma fundição. São desenvolvidos anualmente, além da atenção individual e domiciliar, trabalho com grupos, nas escolas, nas fábricas.
Vários projetos estão em andamento e que podem receber contribuição do estudante, se interessado: uso de plantas medicinais na rede de APS, avaliação do sistema de saúde como forma de auxiliar o planejamento, educação permanente interdisciplinar, protocolo de problemas relacionados ao uso de bebidas alcoólicas.
Poderá haver também contato com estudantes da graduação que fazem estágio na unidade conforme a época do ano. O trabalho é todo realizado em equipe, dentro da proposta de Estratégia de Saúde da Família e contando com Agentes Comunitários de Saúde (ACS) como parte integrante e ativa.

Recursos físicos e humanos da ESF

As unidades interessadas têm ótima estrutura física, com consultório completo para atendimento, sala de procedimentos (inclusive cirurgia ambulatorial), sala de grupos, sala de estudos e de reuniões, computador.
As equipes fixas são compostas de MFC, enfermeira, técnicos e auxiliares de enfermagem, ACS e odontólogo. Há apoio matricial de nutricionista e psicóloga. Há fácil acesso a pediatra, gineco e cirurgião. Há outras especialidades na cidade, todas com diálogo fácil caso necessário. Há excelente relacionamento com o Centro de Atenção Psicosocial (CAPS).

Atividades poderão desenvolver os residentes

Todas realizadas pelas equipes, pesquisa e projetos de extensão conforme interesse e disponibilidade no momento do estágio.

Supervisão para estas atividades

Sou médico de família e comunidade (GHC 2000-2001). Conforme desenvolvimento de atividades extra, analisa-se supervisão adicional. Sou professor de APS da UCS (atualmente afastado para mestrado em Antropologia Social da UFRGS) e já fui professor substituto de medicina preventiva da FFFCMPA e preceptor da residência interdisciplinar do Murialdo (Morro da Cruz). Como área de interesse possível para os residentes, tenho alguma experiência em saúde indígena (Acre e MT/Xingu).
Outros médicos de família e comunidade (todos ex-residentes do GHC), bem como outros profissionais de saúde, estão de alguma forma envolvidos com a supervisão do estágio. Esta pode ocorrer na forma de acompanhamento de outras equipes, atividades pontuais em outros pontos do sistema de saúde (como CAPS, secretaria de saúde, etc.) ou nas reuniões de planejamento municipais.

Possibilidade de atividades teórico-reflexivas

Tradicionalmente os estudantes que fazem estágio neste local são responsáveis pela participação e elaboração de seminários sobre assuntos pertinentes, a ser decididos participativamente. Alguns exemplos de seminário já desenvolvidos: screening em APS, HAS, características de APS rural, antropologia médica, intoxicação por agrotóxicos, acidentes com animais peçonhentos, etc... Além disso, procura-se adotar postura crítica de construção conjunta de conhecimento no dia-a-dia do estágio. A critério do estagiário, pode-se esboçar projetos de pesquisa.

Carga horária dos residentes

A mesma dos profissionais da unidade (8 h), a ser divididos nas atividades. Inclui-se nesta carga horária, tempo de estudo, transporte e preparo de seminários e projetos de pesquisa que venham a ser elaborados. As unidades funcionam das 7h30m às 11h30min e das 13 às 17h.
Tempo mínimo de estágio

Creio que para um bom aproveitamento, deve ser de no mínimo 3 semanas. Idealmente, de um mês.

Número de estagiários que podem estagiar simultaneamente

Depende se houver ou não outros estudantes (graduação inclusive). Mais do que dois estagiários por mês prejudicará o andamento das atividades.
Condições de hospedagem dos residentes

Há albergue confortável oferecido pelo município perto do local das unidades, na própria zona rural entre Gramado e Nova Petrópolis (Fica dentro da área de uma escola). Neste local há refeições gratuitas em tempo de cursos que utilizam a mesma estrutura. Os quartos são com banheiro. Há uma TV em sala comum e estacionamento não coberto. Eventuais gastos em refeições podem ocorrer em épocas em que não houver cursos, pois a cozinha fecha. As vagas são mais facilmente reservadas no primeiro semestre, quando o movimento do albergue é baixo. Deve-se verificar com antecedência a disponibilidade de vagas. Alguns estagiários optaram por alugar quarto na cidade durante o tempo de estágio.

2 comentários:

Pablo Stürmer disse...

Bom, o que dizer depois dessa descrição completa do excelente estágio em Nova Petrópolis, incluindo as atividades e contexto?

Acho que só falta acrescentar a excepcional qualidade de vida experimentada no local, potencializando nosso trabalho em dois sentidos.
Primeiro, ficamos menos à mercê das doenças sociais quando ter saúde não inclui lutar desesperadamente por um prato de comida.
Depois, temos mais energia para o trabalho quando não dispendemos horas em engarrafamentos estressantes ou na correria para resolver coisas que só existem para sobreviver a correria (o ciclo vicioso já citado).
Posso dizer que foi o mês em que tive mais turnos de atendimento em toda a residência, mas meu descanso de espírito fez com que eu voltasse a Porto Alegre como se estivesse chegando de férias.
Meus sinceros elogios ao Leonardo e a todos que me receberam com muita hospitalidade na serra.
Manteremos diálogo por aqui.

Pablo (o fotógrafo, hehehe).

Leonardo Vieira Targa disse...

Obrigado pelo depoimento, Pablo.
Foi muito bom trabalhar contigo e tuas observações são tão boas quanto as fotografias :)!